segunda-feira, 19 de junho de 2017

Santuário São Judas Tadeu tem primeira Pastoral da Diversidade Sexual de BH

Pastoral que começou com, quatro integrantes hoje tem mais de 70 frequentadores. "É uma das mais vivas", diz o padre Aureo Nogueira de Freitas (foto: José Maurício Ferraz/Divulgação )
Iniciativa faz parte da nova postura do papa e da revisão da Igreja sobre configurações da família. A despeito da resistência inicial, comunidade cresce e arrebanha fiéis afastados.


Quando ouviu de um padre, durante a missa, que homossexualidade era condenada por Deus e que “gente assim” não deveria frequentar a igreja, a professora Isabella T., de 29 anos, jamais imaginaria que, anos mais tarde, não só poderia voltar a se declarar católica praticante, como teria um espaço específico para acolher fiéis na mesma situação. Casada com outra mulher, ela integra a Pastoral da Diversidade Sexual do Santuário São Judas Tadeu, em Belo Horizonte, primeira a ser registrada oficialmente na arquidiocese da capital com o foco em acolhimento de gays, lésbicas, transexuais, transgêneros e suas famílias como parte da comunidade da Igreja Católica.

O grupo funciona como qualquer outra pastoral de igreja, como a da Família, dos Casais ou dos Jovens. Eles se encontram a cada 15 dias na sala multimídia da paróquia, debatem temas relativos a família e acolhimento, rezam e têm inclusive uma missa para organizar, no terceiro domingo de cada mês. Tudo é acompanhado pelo padre Marcus Aurélio Mareano e pela irmã Maria do Socorro, designados como assessores da pastoral.

As reuniões para criar de fato a comunidade da diversidade dentro da São Judas Tadeu começaram em agosto do ano passado, com apenas quatro pessoas. Hoje, segundo a igreja, já são mais de 70 frequentares. Depois da 5ª Assembleia do Povo de Deus, que refletiu a realidade concreta das famílias e afirmou a perspectiva de acolhida das suas diversas configurações, o padre Marcus propôs a criação da pastoral, que foi de imediato abraçada pelo reitor do santuário, padre Aureo Nogueira de Freitas. É ele quem afirma: “É hoje uma das mais vivas”.

O objetivo do grupo, segundo o padre Áureo, é acabar com qualquer preconceito dentro da Igreja. Vale lembrar que durante muito tempo as mães solteiras e os casais de segunda união também eram apontados como diferentes na Igreja Católica, sendo proibidos até mesmo de comungar. Os tempos e os costumes mudaram, e a abertura para os gays começou com uma entrevista do papa Francisco, em 2013, quando em um avião declarou: “Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Já no ano passado, o sumo pontífice disse que a Igreja deveria pedir perdão aos homossexuais pela forma com que os tratou no passado. “Eles devem ser respeitados, acompanhados pastoralmente”, pregou.

OPOSIÇÃO Assim como a nova postura do papa, a Pastoral da Diversidade Sexual causou reações na Igreja. Chegou a constar como “denúncia” em um site internacional católico. Apesar disso, os resultados do grupo são sensíveis.“Tenho visto famílias voltando para a Igreja, se reconciliando, e para ver o fruto desse trabalho vale a pena toda crítica e todo desentendimento”, avalia padre Aureo.

O reitor diz que a convicção da importância de um grupo como esse veio dos 23 anos de experiência como padre. “Acompanhei na confissão e nos atendimentos muito sofrimento por parte de famílias ou pessoas que são assim, e isso me incomoda muito, porque acho desnecessário o que se impõe sobre essas pessoas. Em vez de se libertar para o amor, elas oprimem. Quantas vezes vi gente querer se suicidar por causa disso, vi pais que não aceitam filhos... Desconhecer essa realidade é muito desumano”, relata. Por pressão social e religiosa, segundo o reitor da igreja, muitos casais que não deveriam ter se casado assumiram um matrimônio e outros tantos vivem na clandestinidade.

Não é o caso de Isabella, que prefere não dizer o nome da esposa porque, ao contrário do que vive hoje na igreja, a parceira ainda está sujeita ao preconceito em ambientes como o de trabalho. As duas se casaram em uma cerimônia espiritualista em 2014, fora da Igreja. Ela chegou à pastoral a convite de uma amiga e acabou levando a mãe junto. “A pastoral trouxe um empoderamento tanto para mim, dentro da Igreja, quanto para minha mãe. Vejo que a conversa com outros pais ajuda, até para ela contar nossa história, porque ela sabe que está ajudando outras pessoas”, diz.
O começo não foi fácil. Nem para Isabella nem para a mãe, a aposentada Janimar Magalhães. Aos 18 anos a filha descobriu sua preferência pelo mesmo sexo e contou para a mãe. A relação das duas ficou abalada. “Passei oito anos chorando sozinha todos os dias. Na época não tinha esse respaldo da igreja, o que causou muito sofrimento, porque lá tinha ainda mais medo de falar”, diz. No caminho para o entendimento, ela chegou a mandar a filha para uma psicóloga, na tentativa de ajudá-la a se compreender e amenizar o sofrimento. “Não dava conta de encarar e minha intenção era que o terapeuta desse esse apoio que eu não estava dando”, diz.

Passada a fase do preconceito, Isabella voltou a ser motivo de orgulho para a mãe. “É uma pessoa generosa, carinhosa, muito íntegra e ética. Se tivesse que ter outra Isabella, gostaria que fosse exatamente igual.” Janimar considera o trabalho na Pastoral da Diversidade Sexual fantástico e inovador. “Se eu tivesse esse acolhimento na época, não teria sofrido tanto”, diz. O conflito íntimo era tamanho, conta a mãe, que ela deixou de colocar um crucifixo e uma imagem de Nossa Senhora no altar do casamento da filha, por medo de “blasfemar contra a Igreja”. Isso ocorreu três anos antes de ela entrar para a pastoral da São Judas. “Não sei se hoje eu teria permissão para colocar a imagem, mas sei que se tivesse de convidar um padre, pelo menos para assistir, tenho certeza de que ele iria e me sentiria acolhida”, comemora Janimar.

"Tenho visto famílias voltando para a Igreja, e para ver o fruto desse trabalho vale a pena toda crítica e desentendimento”
Aureo Nogueira de Freitas, padre e reitor do santuário

“Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”
Papa Francisco


Fonte: Estado de Minas

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