Pastoral que começou com, quatro integrantes hoje tem mais de
70 frequentadores. "É uma das mais vivas", diz o padre Aureo Nogueira
de Freitas (foto: José Maurício Ferraz/Divulgação )
Iniciativa faz parte da nova postura do papa e da revisão da
Igreja sobre configurações da família. A despeito da resistência inicial,
comunidade cresce e arrebanha fiéis afastados.
Quando ouviu de um padre, durante a missa, que
homossexualidade era condenada por Deus e que “gente assim” não deveria
frequentar a igreja, a professora Isabella T., de 29 anos, jamais imaginaria
que, anos mais tarde, não só poderia voltar a se declarar católica praticante,
como teria um espaço específico para acolher fiéis na mesma situação. Casada
com outra mulher, ela integra a Pastoral da Diversidade Sexual do Santuário São
Judas Tadeu, em Belo Horizonte, primeira a ser registrada oficialmente na
arquidiocese da capital com o foco em acolhimento de gays, lésbicas,
transexuais, transgêneros e suas famílias como parte da comunidade da Igreja
Católica.
O grupo funciona como qualquer outra pastoral de igreja,
como a da Família, dos Casais ou dos Jovens. Eles se encontram a cada 15 dias
na sala multimídia da paróquia, debatem temas relativos a família e
acolhimento, rezam e têm inclusive uma missa para organizar, no terceiro
domingo de cada mês. Tudo é acompanhado pelo padre Marcus Aurélio Mareano e
pela irmã Maria do Socorro, designados como assessores da pastoral.
As reuniões para criar de fato a comunidade da diversidade
dentro da São Judas Tadeu começaram em agosto do ano passado, com apenas quatro
pessoas. Hoje, segundo a igreja, já são mais de 70 frequentares. Depois da 5ª
Assembleia do Povo de Deus, que refletiu a realidade concreta das famílias e
afirmou a perspectiva de acolhida das suas diversas configurações, o padre
Marcus propôs a criação da pastoral, que foi de imediato abraçada pelo reitor
do santuário, padre Aureo Nogueira de Freitas. É ele quem afirma: “É hoje uma
das mais vivas”.
O objetivo do grupo, segundo o padre Áureo, é acabar com
qualquer preconceito dentro da Igreja. Vale lembrar que durante muito tempo as
mães solteiras e os casais de segunda união também eram apontados como
diferentes na Igreja Católica, sendo proibidos até mesmo de comungar. Os tempos
e os costumes mudaram, e a abertura para os gays começou com uma entrevista do
papa Francisco, em 2013, quando em um avião declarou: “Se uma pessoa é gay,
busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Já no ano passado,
o sumo pontífice disse que a Igreja deveria pedir perdão aos homossexuais pela
forma com que os tratou no passado. “Eles devem ser respeitados, acompanhados
pastoralmente”, pregou.
OPOSIÇÃO Assim como a nova postura do papa, a Pastoral da
Diversidade Sexual causou reações na Igreja. Chegou a constar como “denúncia”
em um site internacional católico. Apesar disso, os resultados do grupo são
sensíveis.“Tenho visto famílias voltando para a Igreja, se reconciliando, e
para ver o fruto desse trabalho vale a pena toda crítica e todo
desentendimento”, avalia padre Aureo.
O reitor diz que a convicção da importância de um grupo como
esse veio dos 23 anos de experiência como padre. “Acompanhei na confissão e nos
atendimentos muito sofrimento por parte de famílias ou pessoas que são assim, e
isso me incomoda muito, porque acho desnecessário o que se impõe sobre essas
pessoas. Em vez de se libertar para o amor, elas oprimem. Quantas vezes vi
gente querer se suicidar por causa disso, vi pais que não aceitam filhos...
Desconhecer essa realidade é muito desumano”, relata. Por pressão social e
religiosa, segundo o reitor da igreja, muitos casais que não deveriam ter se
casado assumiram um matrimônio e outros tantos vivem na clandestinidade.
Não é o caso de Isabella, que prefere não dizer o nome da
esposa porque, ao contrário do que vive hoje na igreja, a parceira ainda está
sujeita ao preconceito em ambientes como o de trabalho. As duas se casaram em
uma cerimônia espiritualista em 2014, fora da Igreja. Ela chegou à pastoral a
convite de uma amiga e acabou levando a mãe junto. “A pastoral trouxe um
empoderamento tanto para mim, dentro da Igreja, quanto para minha mãe. Vejo que
a conversa com outros pais ajuda, até para ela contar nossa história, porque
ela sabe que está ajudando outras pessoas”, diz.
O começo não foi fácil. Nem para Isabella nem para a mãe, a
aposentada Janimar Magalhães. Aos 18 anos a filha descobriu sua preferência
pelo mesmo sexo e contou para a mãe. A relação das duas ficou abalada. “Passei
oito anos chorando sozinha todos os dias. Na época não tinha esse respaldo da
igreja, o que causou muito sofrimento, porque lá tinha ainda mais medo de
falar”, diz. No caminho para o entendimento, ela chegou a mandar a filha para
uma psicóloga, na tentativa de ajudá-la a se compreender e amenizar o
sofrimento. “Não dava conta de encarar e minha intenção era que o terapeuta
desse esse apoio que eu não estava dando”, diz.
Passada a fase do preconceito, Isabella voltou a ser motivo
de orgulho para a mãe. “É uma pessoa generosa, carinhosa, muito íntegra e
ética. Se tivesse que ter outra Isabella, gostaria que fosse exatamente igual.”
Janimar considera o trabalho na Pastoral da Diversidade Sexual fantástico e
inovador. “Se eu tivesse esse acolhimento na época, não teria sofrido tanto”,
diz. O conflito íntimo era tamanho, conta a mãe, que ela deixou de colocar um
crucifixo e uma imagem de Nossa Senhora no altar do casamento da filha, por
medo de “blasfemar contra a Igreja”. Isso ocorreu três anos antes de ela entrar
para a pastoral da São Judas. “Não sei se hoje eu teria permissão para colocar
a imagem, mas sei que se tivesse de convidar um padre, pelo menos para
assistir, tenho certeza de que ele iria e me sentiria acolhida”, comemora
Janimar.
"Tenho visto famílias voltando para a Igreja, e para
ver o fruto desse trabalho vale a pena toda crítica e desentendimento”
Aureo Nogueira de Freitas, padre e reitor do santuário
“Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem
sou eu para julgá-la?”
Papa Francisco
Fonte: Estado de Minas
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