sexta-feira, 19 de maio de 2017

Os profissionais do mercado de sexo que vendem acesso às suas vidas privadas pelas redes sociais


Redes proporcionam contato íntimo e permanente aos fãs de profissionais do sexo
Como qualquer profissional do mercado erótico, Cortana Blue vende intimidade. A diferença é que ela faz isso por meio das mídias sociais. Desde a abertura de sua conta privada no Snapchat, no ano passado, mais de mil pessoas compraram uma assinatura permanente para ter acesso ao canal. Com isso, seus fãs podem vê-la nua regularmente, além de passar a ter acesso à vida privada de Blue. "Você pode bater papo comigo quando quiser", diz a moça.

As redes sociais são o mais novo mercado de compra e venda de sexo - real e virtual. Mas a nova geração de profissionais do setor está descobrindo que seus admiradores se interessam tanto por seus corpos como por suas compras diárias, piadas sem graça e bichos de estimação.
Para pesquisadores, esse novo tipo de comércio é interessante porque reflete uma tendência mais ampla de como as mídias sociais estão mudando nossas relações.
"Se você olhar de perto o que está ocorrendo na indústria do sexo, isso diz muito sobre o que se passa com nossas relações no mundo lá fora", afirma Teela Sanders, da Universidade de Leicester, no Reino Unido.
Para além do ramo do sexo, as mídias sociais estão deixando menos nítidas as diferenças entre aqueles com quem temos ou não uma relação "real".
Celebridades como Kim Kardashian e Taylor Swift possuem exércitos de seguidores devotos que devoram cada atualização delas no Instagram. Mas aplicativos como o Snapchat, que incentivam a troca de mensagens pessoais, podem dar um tom mais pessoal - e até recíproco - a algumas relações.

As mídias sociais são o mercado mais recente onde sexo é comprado e vendido

Mudanças de conceitos
A internet mudou o conceito de profissional do sexo, afirma Sanders, que estuda essa indústria há mais de 15 anos.
Trabalhar com sexo já significou trocar sexo por dinheiro, mas hoje há vários níveis de interação sexual - do contato físico à interação por meio de uma tela. E isso estimula o engajamento de pessoas que talvez nunca tivessem considerado entrar nessa indústria.
"Você tem profissionais que se dedicam à prostituição tradicional e complementam a renda com shows na webcam ou sexo por telefone", diz Sanders. "Há ainda quem faça tudo isso, e pessoas que não se envolvem em contato direto."


Os shows eróticos via webcam surgiram logo no começo da internet. As "camgirls", como as garotas que fazem as performances são conhecidas, se tornaram até subcelebridades (também há homens no ramo, mas em número menor).

As apresentações ao vivo de "cybersexo" se popularizaram no final dos anos 1990, sobretudo pelo imediatismo da experiência na comparação com a pornografia pré-gravada, mas também porque havia uma interação básica entre performer e expectador.

Sanders lembra ainda que o número de pessoas buscando profissionais do sexo aumentou porque interagir por meio de uma tela é mais fácil psicologicamente do que o contato pessoal.
"As pessoas podem dizer que não estão fazendo nada de errado e não se sentir culpadas por estarem estragando seus relacionamentos", diz.

Nos últimos anos, a indústria do sexo foi atrás de seus clientes nas redes sociais. Um dos aplicativos mais populares para isso é o Snapchat, um serviço de mensagens instantâneas onde se pode compartilhar temporariamente fotos e vídeo antes que desapareçam em um curto intervalo de tempo.
O Snapchat afirma ter mais de 150 milhões de usuários ativos por dia

Snap, a empresa que controla o Snapchat, trabalha em uma oferta inicial de ações que poderia avaliar a companhia em US$ 25 bilhões (cerca de R$ 77 bilhões).
Números exatos são difíceis de estimar, mas o Snapchat diz ter mais de 150 milhões de usuários ativos na plataforma todo dia, e a firma de análise de mercado Nielsen afirma que 41% da população de 18 a 34 anos nos Estados Unidos usa o aplicativo regularmente.
Uma pesquisa da Verto Analytics estimou que 51% dos usuários do app no Reino Unido tenham menos de 35 anos.
Novos modelos
Momoka Koizumi é uma entre os 150 milhões de usuários fiéis. Vivendo nos EUA, ela se tornou uma camgirl quando começou a universidade. Naquela época, se desdobrava entre leituras e o trabalho em uma livraria da faculdade.
"Eu costumava gostar porque envolvia livros, mas odiava trabalhar no comércio e ter que responder a um chefe. Era algo que tomava meu tempo, era cansativo e pouco recompensador."
O noivo de Koizumi sugeriu que ela começasse uma carreira como modelo de webcam. "Funcionou porque finalmente posso organizar minha própria agenda e estou sendo tratada como mereço", afirma ela.
Ela logo percebeu que o sucesso demandaria uma boa capacidade de marketing - e presença nas mídias sociais. "Pesquisei dezenas de perfis e descobri que algumas das camgirls mais famosas tinham contas no Snapchat", diz.
Modelos de webcam vendem acesso a contas privadas no Snapchat, onde publicam uma mistura de conteúdo sexual e não sexual. Cerca de 10% da renda mensal de Koizumi vem hoje de fãs que compram assinaturas para sua conta no aplicativo.
Uma das principais razões que fizeram Koizumi se sentir confortável nessa indústria foi a proteção de uma tela de computador ou celular nas interações.
Recentemente, ela comentou no Twitter sobre sua timidez em usar saia curta em publico. "Eu ficava abaixando a saia toda hora", ela escreveu, "mas posso ficar nua na frente de cem pessoas".
Do mesmo modo como muitos que procuram prostitutas querem tanto companhia como sexo, pessoas que assinam uma conta no Snapchat buscam mais do que gratificação sexual. O aplicativo proporciona um contato íntimo e permanente com suas camgirls favoritas.
"Apesar de ser uma interação comercial via tecnologia, há intimidade", afirma a pesquisadora Sanders.
Koziumi vende acesso permanente à sua conta no Snapchat por US$ 45 (cerca de R$ 140), que podem ser pagos com vales-presente da Amazon. Ela faz questão de postar ao menos dez coisas diferentes por dia - cerca de metade do material tem conteúdo explícito.
"O Snapchat é onde meus fãs conseguem me conhecer melhor", afirma. A jovem conversa com fãs quando transmite ao vivo pela webcam, mas em muitos casos está apenas sentada no quarto.
As redes sociais permitem que ela divulgue "iscas" com fragmentos de seu cotidiano. "No meu Snapchat é possível me ver na faculdade, ou apenas fazendo nada em casa", diz ela.
"Também mostro meus gatos, que são uma parte importante da minha vida."

Realidade ou performance?

Grant Blank, pesquisador do Oxford Internet Institute, concorda que o Snapchat provavelmente ofereça uma conexão mais pessoal do que os shows tradicionais de webcam, em razão de sua natureza "24 horas ligada". Mas diz que a questão não é tão simples.
Há dois pontos de vista, afirma. Por um lado, você pode ficar tão à vontade ao ponto de esquecer que está transmitindo a pessoas que não estão fisicamente ali. Mas também é possível argumentar que os profissionais estão sempre atentos à audiência e nunca revelam sua identidade real, apenas variam a performance de acordo com o público.
"Toda mídia social tem uma curadoria envolvida", afirma Blank. "Você está prestando atenção no que está ali, e não apenas publicando qualquer coisa."
As camgirls no Snapchat estão apenas oferecendo uma versão mais explícita do show que todos nós oferecemos nessas plataformas. E manter esse show vivo é trabalho duro, diz Koizumi. Com as transmissões que ela faz via webcam, sobram dois dias livres por semana. Mas atualizar suas redes sociais é um trabalho permanente, sete dias por semana - até quando está doente.
"Desde que abri minha conta no Snapchat acho que não fiquei nem um dia sem publicar algo", afirma.
Cortana Blue também dedica muitas horas ao trabalho. "Passo boa parte do dia no Snapchat", diz. "Se não estou postando fotos e vídeos, estou respondendo mensagens, o que pode tomar bastante tempo."
O Snapchat é o canal de mídia social mais lucrativa para Blue, de 24 anos. Mas ela também vende acesso à conta dela no Kik, outro aplicativo de mensagens instantâneas, e até a seu número de telefone.
"Eu realmente gosto de mostrar aos fãs que no fundo sou apenas uma pessoa normal que faz coisas normais", afirma. "Não sou apenas uma mulher qualquer que fica nua por dinheiro."
E o trabalho parece compensar. "Sinto que a maioria paga apenas para me ver nua", diz Blue. "Mas eles voltam depois de um tempo e dizem: 'Uau, não acredito como você é real'."

Movimentando a economia

O sucesso desses profissionais do sexo nas mídias sociais atraiu intermediários. Empresas estão surgindo para atuar como corretoras e gerenciar pessoas que querem oferecer acesso às suas contas no Snapchat.
Uma dessas firmas, a SeeSnaps, sediada no Reino Unido e registrada em julho de 2016, fechou contratos com 40 modelos que vendem acesso às suas contas por meio do site.
O SeeSnaps fica com 20% de todas as assinaturas - vendidas em pacotes mensais e que com preços entre US$ 19,99 (cerca de R$ 62) e US$ 37 (R$ 115). Outros sites oferecem serviços parecidos.
Mas comercializar acesso a contas no Snapchat sem autorização por escrito do Snapchat é, tecnicamente, uma violação dos termos de uso do aplicativo. Publicar conteúdo pornográfico também.
Ou seja: se considerarmos a fama do Snapchat como um aplicativo de "sexting" (troca de mensagens com conteúdo sexual), provavelmente muitos dos 150 milhões de usuários do app estão infringindo as normas de uso.
A BBC questionou a Snap sobre seu posicionamento sobre a venda de acesso a contas do aplicativo. Um porta-voz não comentou, mas forneceu links para normas do aplicativo que preveem a exclusão de contas por violação de termos de uso.
A conta de Blue no Snapchat já foi denunciada e deletada duas vezes desde a abertura, em janeiro de 2015.
"Eu refiz minha conta nas duas vezes", afirma ela. E de fato, alguns profissionais do sexo procurados pela reportagem se recusaram a falar sobre o emprego do aplicativo por temerem serem excluídos da plataforma.
Mas essas pessoas sempre atuaram à margem da legalidade - e muitos podem dizer que interações virtuais deveriam ser mais estimuladas do que coibidas, por oferecerem uma maneira segura para profissionais do ramo fazerem dinheiro.
Afinal, não há nada de novo em manter relações íntimas online. O pesquisador Daniel Miller, da University College de Londres, que estuda o impacto das webcams nas relações humanas, acredita que as interações em video pela internet podem ser tão íntimas quanto o contato pessoal - ou até mais.
"É plenamente possível que o Snapchat proporcione uma forma de intimidade que outros métodos não ofereçam", diz ele.
Para a performer Blue, esse sentimento de intimidade é de mão dupla. "Eu gosto de ter uma conexão particular com um fã que ninguém consegue ter ou ver", afirma.
Ela gosta de saber como eles são, suas preferências e hobbies. "Curto de verdade que meus seguidores saibam que estou ali se quiserem conversar sobre o dia, me ver enviar memes engraçados ou trocar ideias sobre games e gatos."



Fonte: BBC Brasil

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