sexta-feira, 5 de maio de 2017

Meninas relatam rotina de assédio e ataques sexuais em agência de modelos no Sul de Minas

Meninas não relatavam casos às famílias por medo de perder oportunidades na carreira (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Os longos cabelos claros, batendo na cintura, o porte elegante – 1,82 metro de altura, sem salto – e a beleza do rosto fazem da jovem do interior paranaense, que já foi miss na terra natal, uma candidata natural a modelo. No entanto, o desejo de desfilar pelas passarelas do planeta e ser famosa foi atropelado “pela lábia”, como ela define, de um homem acusado de agenciar pré-adolescentes e adolescentes de vários estados brasileiros com promessas de “modelar” – como reza a gíria do meio fashion – ou trabalhar em novelas da televisão. As denúncias investigadas contra o agenciador Fábio Fernandes dos Santos incluem estupro, assédio e abuso sexual, pressão psicológica, exploração financeira e até restrição alimentar a que seriam submetidas as jovens.



Depois dos contatos iniciais, via redes sociais ou nas próprias cidades em que viviam, as meninas pegavam o ônibus e a estrada, muitas vezes na companhia de pais, parentes ou namorados, e seguiam para Alfenas, no Sul de Minas, onde funcionaria a Agência Black Model. Sozinhas, começavam seus “dias de terror”, à espera de um contrato de trabalho que nunca chegava. Nesse período, contam, arrumavam a casa – na verdade um casarão no Bairro Jardim Alvorada, distante três quilômetros do Centro da cidade –, comiam “arroz, feijão e, às vezes, salada”, e sofriam com as investidas sexuais do agenciador. Por dentro do assunto: Dono de agência de modelos é suspeito de abusar sexualmente de garotas no Sul de Minas


Com a pouca experiência dos seus 17 anos, a jovem paranaense chegou a Alfenas há dois meses, depois de contatada em uma rede social por Fábio Fernandes dos Santos, de presumíveis 33 anos, que está sendo procurado pela polícia local. Conforme denúncia do Conselho Tutelar de Alfenas, ele é acusado de assédio sexual contra várias jovens, na faixa de 12 a 17 anos, além de pressioná-las emocionalmente e obrigá-las a fazer sexo sem consentimento. As denúncias incluem o estupro de uma menina de 13 anos, de acordo com relato de uma das jovens, além do episódio em que teria colocado uma das adolescentes “de castigo”, retirando o chip de seu celular e reconfigurando o aparelho para que não pudesse entrar em contato com parentes.
O imóvel com muros altos e piscina no Bairro Jardim Alvorada: enquanto aguardavam um contrato que nunca vinha, jovens cuidavam da arrumação do lugar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

 SEM PRESERVATIVO

Em nenhum dos casos, conforme relato das jovens, o homem, que segundo as meninas é natural de Alfenas, teria usado preservativos. “Ele dizia que, se não fosse carinhosa com ele, as coisas ficariam mais difíceis e que eu não conseguiria um contrato para ser modelo”, continua a paranaense, que não desiste do seu sonho e apenas lamenta ter “caído na lábia daquele homem”.

Na tarde de ontem, na companhia de mais três jovens – duas irmãs do interior de Goiás, de 15 e 16 anos, e uma de São Paulo, de 17, também do interior,  a moça contou um pouco dessa história de horror, na sede do Conselho Tutelar. Até o dia 10, elas deverão retornar às suas cidades, disse o presidente da instituição, Paulo Silvério, lembrando que três meninas já voltaram para casa – duas delas mineiras, também da Região Sul, e outra de Goiás.

O presidente do conselho conta que a primeira denúncia anônima foi feita em 17 de fevereiro. De imediato, diz ter comunicado à delegada de polícia Renata Fernanda Resende. Para atestar, ele mostra o encaminhamento com o timbre do conselho. O documento, em referência a denúncias sobre o casarão em que viviam as jovens e o acusado, informa que lá “... funciona uma agência de modelos, que é um entra e sai de adolescentes (...) o denunciante suspeita de drogas”.

“Enviei o ofício, mas não tive resposta. A Polícia Civil não fez nada”, reclama. Na segunda denúncia, que ele acredita ter vindo de uma das meninas que ficavam na casa da Agência Black Model, ele comunicou ao promotor de Justiça de plantão. “No último sábado, fomos lá e encontramos sete jovens, mas muitas outras passaram por lá”, acrescenta o conselheiro.

A delegada Renata afirma que foi aberto inquérito de imediato e garante que o caso está sendo investigado. “Temos que olhar esta situação com muito cuidado. Cada caso é um caso. Conversamos com as meninas e verificamos várias situações, como jovens emancipadas pelos pais, outras que chegaram acompanhadas também dos pais e outras que relataram ter praticado ato sexual porque quiseram. Mas é importante destacar que, independentemente das situações, sexo com menor de 14 anos é crime”, disse a policial.


Casa onde meninas eram mantidas tinha piscina (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Pais pagavam R$ 500 para manter jovens

Entre as jovens que afirmam não ter feito sexo com o suspeito estão duas meninas de Goiás. Elas frequentavam uma escola na cidade e essa é uma das indagações do Conselho Tutelar: como duas menores conseguiram se matricular, vindo de longe e sem a presença dos pais. Com óculos de grau – “sete e meio de astigmatismo e hipermetropia” –, a jovem goiana chegou a Alfenas acompanhada do namorado e, no período em que passou na cidade, terminou o relacionamento. Ela conta que o suspeito cobrava R$ 500 das famílias (de algumas, como da paranaense, cobraria R$ 600) para que as jovens ficassem no casarão, que tem piscina, quatro quartos, um deles “com espelho no teto”.

“O costume de Fábio era vir de manhãzinha na nossa cama e ficar alisando a gente. Depois insistia cada vez mais. Como eu fiquei com raiva e xinguei, ele me chamou de boca suja, disse que eu jamais seria atriz e me pôs de castigo, sem poder falar com meus pais”, diz a irmã da jovem de óculos. O curioso, em todos os relatos, é que as meninas mantinham contato com as famílias, mas não revelavam o drama que estavam passando no casarão de muros altos, de forma a manter vivo o sonho da carreira artística ou das passarelas.

“Participei de um concurso na minha cidade e o Fábio foi jurado. Foi lá que ele fez o convite”, conta a jovem de óculos, que concorria ao título de miss. “Ele falou que eu poderia fazer novela, mas que eu precisava ser carinhosa”, contou. “Além dos gastos mensais, a família ainda tinha que mandar dinheiro para vivermos”, acrescentou.

A jovem paulista também caiu na conversa de Fábio, conforme diz, e guardou uma foto dele no arquivo do seu celular. Com 1,72m de altura, reconhece ter acreditado no suposto agente de modelos. “Não o vi batendo em ninguém, mas havia grande pressão emocional. Comigo, ele não conseguiu nada.”

MEDO

Na tarde de quinta-feira, a reportagem do Estado de Minas conversou com o proprietário do imóvel alugado pelo suspeito, um advogado que não quer se identificar. Ele disse que está colaborando com as investigações e que entregou o contrato de locação à polícia. “Se soubesse que estava acontecendo isso, jamais teria alugado o casarão. Se ele for culpado, que pague pelo que cometeu”, afirmou. O proprietário não informou se o locatário estava devendo aluguel, como suspeita o presidente do Conselho Tutelar.

No Bairro Jardim Alvorada, onde fica o casarão, vizinhos dizem que nunca perceberam nada de errado. “Só tinha muito carro aí na porta, de vez em quando”, diz uma moradora. Dona de uma banca de jornais no Centro de Alfenas, Domingas de Souza se mostra horrorizada. “E isso tudo perto da minha casa. A gente não imagina isso numa cidade universitária”, resumiu. A amiga Hilda Maria Flores também está preocupada, pois tem duas filhas. “A gente fica com medo”, comentou.

O EM tentou contato com o acusado em alguns números de telefone, mas não obteve sucesso. Ele também não foi encontrado no casarão do Jardim Alvorada.

Entrevista

Adolescente paranaense de 17 anos agenciada por Fábio Fernandes dos Santos
‘Ele dizia que, se eu fosse carinhosa com ele, as portas se abririam para mim’

Por que você continuou na casa, mesmo diante dessa situação que as meninas enfrentavam?
Porque não desisto do meu sonho. Ele dizia que, se eu fosse carinhosa com ele, as portas se abririam para minha carreira.

Você fez sexo com ele?
Ele foi ao meu quarto duas vezes. E aconteceu. Não usou preservativo.

E agora? Quais são seus planos
Passou. Vou continuar tentando.


Fonte: Estado de  Minas

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