sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Violência de classe e gênero

Quando se exige medidas eficientes como caminho para a superação da violência contra mulheres, não se confunda com a busca da pena de morte e a diminuição da idade de responsabilidade penal. Geralmente, é preconceito de classe. Vejamos.

O assassinato de Liana Friedenbach, menina rica, cujo pai a procurou até de helicóptero, mereceu passeata reivindicando pena de morte para os assassinos. O mesmo não assistimos quando se tratou de Jorge, suposto autor do homicídio dos pais (crime da rua Cuba). Também não se pediu pena de morte para Suzane Richthofen acusada de planejar o assassinato dos próprios pais.

Jorge e Suzane são ricos, um dos supostos assassinos de Liana tem apenas 16 anos e é pobre. O rabino Henry Sobel e o pai de Liana pediram pena de morte e modificação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para que o rapaz seja processado. Houve quem participasse da manifestação exibindo faixas com esses propósitos.

Até agora, o goleiro Bruno e o advogado e ex-policial Misael, ricos, assassinos respectivamente de Selma Samúdio e de Mércia Nakashima, não foram alvo de pedidos de pena de morte, afinal são de outra classe. Houve até tentativas de culpabilizar uma das vítimas. Quando a vítima é pobre, pode ser transformada em ré.

25 de novembro, Dia Latinoamericano e Caribenho de Combate à Violência contra Mulheres, deve merecer muita reflexão que redundem em medidas concretas para que a legislação finalmente seja cumprida e se deixe de naturalizar esse tipo de violência.

A Lei Maria da Penha veio também para desnaturalizar a violência sexista, trouxe a novidade das medidas protetivas e tipifica a violência contra mulheres como crime.

Na prática, porém, mesmo após denúncias, boletins de ocorrências lavrados e solicitações de medidas protetivas, seguem ocorrendo feminicídios como o da cabeleireira cuja câmera filmou o próprio assassinato, o de Eliza Salmúdio e Mércia Nakashima, entre outros tantos.

São lembradas as assassinadas Leila Diniz, Eliene de Grammont, Sandra Gomide,... E as outras dezenas de milhares de assassinadas? Merecem o silêncio porque são pobres? Segundo o Mapa da Violência 2010, estudo dos homicídios feito com base nos dados do SUS, em dez anos (de 1997 a 2007), 41.532 mulheres (meninas e adultas) foram assassinadas.

Urge superar esse quadro, mas não defendemos a pena de morte. Queremos a aplicação da Lei Maria da Penha.

Viver sem violência é um direito nosso!


25 de Novembro - Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres


Não, não creio em um Deus que exija sacrifícios humanos.

Não creio num Deus que destrua a vida de uma mulher

para salvar a alma de um homem!!

Jostein Gaarder - Vita Brevis


A Lei Maria da Penha, um marco histórico para as mulheres brasileiras, precisa de muita mobilização do movimento de mulheres e da sociedade civil para que seja efetiva e eficaz no combate à violência doméstica contra as mulheres. Para isso, a lei ainda precisa ser muito divulgada e discutida ampla e corretamente.

Para o enfrentamento da violência doméstica se torna necessária uma política publica que envolva todas as instâncias da sociedade. Um desafio urgente é a criação e o fortalecimento das redes de atenção à violência doméstica em todo o território nacional, especialmente nas cidades pequenas, para que as mulheres encontrem respaldo caso necessitem.

No campo da saúde, é preciso implicar todas as instâncias no enfrentamento deste problema. O sistema de educação, por sua vez, deveria ter a mudança dessa mentalidade machista hoje vigente como uma de suas prioridades e deveria se comprometer com a criação de uma cultura de não violência contra as mulheres. No campo jurídico, é especialmente necessário o investimento na criação e fortalecimento das Delegacias Especiais da Mulher, criando-se um plano para a divulgação da Lei Maria da Penha em todas as instâncias do sistema jurídico, na estrutura policial e redes sociais. Um dos desafios mais urgentes é também criar programas de empregos que fortaleçam as mulheres para que a situação financeira não seja um impedimento para sair de uma situação de violência.

Assinalamos também que os programas de prevenção e erradicação da violência contra as mulheres realizados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres precisam continuar sendo fortalecidos e tendo investimento para a efetivação aplicação destas políticas publicas.

Frente a estes desafios, não podemos perder de vista que nos encontramos inseridas em um contexto desafiador para a implementação de leis relacionadas aos direitos das mulheres. Isso porque um recrudescimento dos fundamentalismos religiosos e políticos se faz presente não somente no território nacional, mas em toda América Latina. A lei Maria da Penha, por exemplo, vem sofrendo fortes ameaças por parte destas forças, especialmente do campo jurídico, que está exigindo uma maior articulação e atenção por parte do movimento de mulheres e do Estado.

Hoje, mais que nunca, necessitamos estar alertas, divulgar a lei Maria da Penha e conseguir sensibilizar a população sobre a sua importância, fazendo contraposição às forças patriarcais contrárias à sua implementação. Uma das formas de se atrasar ou impedir a aplicação da lei tem sido colocar em cheque a sua constitucionalidade. O uso de instrumentos jurídicos para obstaculizar processos é uma das estratégias que vem sendo utilizada por grupos anti-direitos interessados em negar e obstaculizar as conquistas das mulheres.

Frente ao grave problema da violência contra as mulheres existente em nosso país, é preciso denunciar e impedir a ação destes grupos. Temos como desafio urgente a criação de uma cultura de igualdade entre as pessoas e especialmente uma cultura que legitime a autonomia e liberdade das mulheres.

Fonte: http://catolicasonline.org.br

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Feminicídio, realidades e tabus


Susana Merino

No resta dúvida de que existe uma taxativa diferença entre, por exemplo, a lapidação de mulheres em alguns países islâmicos e a frequente tortura e morte de mulheres em Ciudad Juárez (México).

A primeira está insolitamente amparada pela lei ou pelo Estado, enquanto que as segundas parecen estar protegidas pelo silêncio cúmplice das autoridades civis e policiais da região.

No entanto, no primeiro caso, nos sentimos horrorizadas pela inqualificável crueldade de um castigo que conduz à morte; e, no outro, a fria menção das cifras. Porém, apesar de que o número de mulheres assassinadas seja consideravelmente maior na fronteira do norte mexicano, o que nos assombra, nos descobrimos quase indiferentes.

Parece que a reiteração de tão inqualificável fenômeno outorga aos seus autores uma espécie de "patente" para o crime e parece também que, ao fazer parte das estatísticas, o horror deixa de golpear nossas consciências. Um assassinato, uma morte próxima, uma vítima identificada nos comovem; porém, os crimes massivos não deixam marcas e até em situações bélicas chegam a ser cinicamente qualificados e aceitos como "danos colaterais".

Diante da condenação por lapidação da iraniana Sakineh Ashtianí e da nigeriana Amina Lawal, a sociedade se mobilizou e centenas de milhares de pessoas em todo o mundo assinaram cartas nas quais pediam, em ambos os casos, e conseguiram a anulação do castigo. Um castigo que, certamente, não está nem aprovado e nem estabelecido pelo Alcorão, mas que tem sua origem na tradição judaico-islâmica e pode ser aplicado também aos homens. Esse tipo de mobilizações aparentemente pintado com certo ranço anti-islâmico não encontra correlato para as múltiplas denúncias mexicanas que atingem a um número crescente de mulheres entre 14 e 25 anos.

Em Ciudad Juárez, cerca da fronteira mexicano-estadunidense, segundo organizações não governamentais, foram executados mais de 350 assassinatos de mulheres e, aproximadamente, 400 desaparições na última década, o que as autoridades, por incompetência ou amedrontadas, costumam qualificar como fruto da violência doméstica.

No entanto, segundo as investigações realizadas pela Anistia Internacional, muitos dos crimes têm suas raízes na discriminação, apesar de que sejam consideradas também outras hipóteses relacionadas ao narcotráfico, ao tráfico de mulheres, ao tráfico de órgãos e aos filmes snuff, um gênero também conhecido como white heat ou the real thing, nos quais as mulheres são torturadas, violentadas e assassinadas com o único objetivo de registrar esses fatos através de algum meio audiovisual para, em seguida, comercializá-los por quantias incalculáveis. Sobre essa última suposição, não foram encontradas provas que possam respaldá-la, apesar de que não parece tão disparatado pensar que em nossa enferma sociedade não existam indivíduos que desfrutem -intelectual ou comercialmente- com esse tipo de produções.

Alguns analistas sustentam também que poderia tratar-se de macabros rituais celebrados com o objetivo de estabelecer a coesão entre membros de grupos mafiosos e selar a pertença ao grupo, por parte dos assassinos, com pactos de sangue.

Segundo a investigadora Rita Laura Segato, "os feminicídios de Ciudad Juárez não são crimes comuns de gênero, mas crimes corporativos e, mais especificamente, são crimes de segundo Estado (...) que administra os recursos, direitos e deveres próprios de um Estado paralelo, estabelecido firmemente na região e com tentáculos nas cabeceiras do país". Porém, o mais alarmante é que esta lacra chegou também ao chamado "triângulo da violência": Guatemala, El Salvador e Honduras, segundo a descrição cunhada pelas Nações Unidas, que alcançou as mais altas taxas de feminicídios da região já não relacionadas com os conflitos armados, que assolaram a esses países em um passado não muito distante. E poderiam continuar estendendo-se.

E se continuamos rumo ao sul, podemos ver que, tampouco, nosso país está isento de um desmedido incremento das consequências que até agora pareciam limitar-se a casos isolados; porém, cada vez mais frequentes do que também aqui se qualifica como produto da violência familiar. As mortes de mulheres queimadas com álcool ou com benzina em "acidentes domésticos" que, curiosamente, não acontecem quando a mulher está sozinha, mas diante da (impotente?) presença do marido ou companheiro, tem aumentado desde um primeiro acontecimento no qual a justiça determinou a impossibilidade de provar a culpabilidade da principal testemunha presencial (nesse e em quase todos os casos, o marido) por ocorrer em âmbito privado e ser muito difícil estabelecer se realmente o fato é atribuível a um acidente ou a um assassinato.

Toda essa manifesta agressividade masculina em relação à mulher não é uma consequência a mais das condições de vida contemporânea a que costumamos atribuir os males que nos rodeiam; mas, parece arraigar no mais profundo primitivismo humano. Desde o princípio dos tempos, privilegiar a morte tem sido um denominador comum de muitas culturas, não de outro modo se entende a exaltação do heroi, do guerreiro, do combatente encarnando sempre os valores do arrojo, da audácia, da valentia, da virilidade, da coragem, da intrepidez em função de que? Somente em função da morte, uma função reservada aos homens da tribo, do Estado, do império..., na qual as mulheres (ou suas equivalentes, as nórdicas ‘walkirias' ou as amazonas gregas) participaram só mitologicamente, partilhando, em suas condições de deusas, os campos de batalha.

Enquanto que a função de dar a vida, que foi conferida somente à mulher, foi secularmente subestimada e confinada ao rotineiro âmbito doméstico e sua importância diluída até quase desaparecer entre as pedestres tarefas cotidianas, das panelas e pratos, das chupetas, mamadeiras e cadernos escolares, produto de uma cultura certamente elaborada só por metade da humanidade. Meia humanidade que necessitou construir um imaginário de força, de vigor, de invencibilidade para dissimular talvez a frustrante sensação de esterilidade e de impotência provocada pelo mistério da gravidez e do parto, juntamente com a convicção de que são coisas às quais, apesar de sua força e de seu engenho, jamais poderia ter acesso.


Tudo isso parece ter raízes tão profundas que não só em nossa civilização judaico-cristã encontramos evidências certas e reiteradas de subestimação, de submissão, de menosprezo como reação ao temor que a mulher gera ao parecer dotada de "poderes" que escapam completamente ao arbítrio dos homens. Os estudos de antropologia têm demonstrado que é habitual em todas as culturas que os homens experimentem certo sentimento de inferioridade diante da capacidade procriadora da mulher; sentimento que tendem a reverter assumindo para com ela condutas prepotentes tildadas de menosprezo e humilhação. Um temor que também deve ter jogado um importante papel no julgamento e condenação das bruxas medievais.

Importantes e minuciosos estudos realizados nos códices maias e astecas põem em relevo que "O homem, em sua função de genitor, brilha por sua ausência. Se o nascimento por partenogênese de deuses tão importantes como Quetzalcóatl e Huitzilopochtli não deixa de reforçar a importância da figura materna pode suscitar também angústias e inquietações no seio de uma população masculina incapaz de legitimar agora a primazia do falo e, portanto, de seu poder".

Diz a antropóloga francesa Françoise Héritier que "não é o sexo, mas a fecundidade o que representa a verdadeira diferença entre o masculino e o feminino" e agrega Nicolas Balutet "que, na sociedade asteca, a fecundidade estava na base das angústias do homem. O rechaço às mulheres que expressam as crenças e as superstições vai além que o tabu relacionado com os fluidos menstruais e do parto". (La puesta en escena del miedo a la mujer fálica durante las fiestas aztecas" - Contribuciones desde Coatepec, UNAM, México).

De modo que, para terminar, pese aos grandes avanços alcançados pelas mulheres em matéria de igualdade de direitos nas sociedades contemporâneas, é evidente que nos resta ainda um longo caminho a percorrer para superar e remover tabus, usos e costumes que, não por atávicos e ancestrais estamos condenadas a suportar eternamente, Eles e nós devemos encontrar o modo de integrar nossas diferentes capacidades, de construir uma relação homem-mulher baseada no reconhecimento e na aceitação de nossas diferenças, capaz de afugentar os fantasmas desse passado que tem gerado e continua gerando tanta dor e para poder entoar, juntos, um canto à vida, que é o prodígio mais maravilhoso com que Deus ou a Criação nos honrou.

Fonte: www.adital.com.br

Duas mulheres - duas abolições?

Leonardo Boff

É fato notável a ascensão de mulheres, em muitos países do mundo, ao status de chefes de Estado e de governo. Isso revela uma mutação do estado de consciência que se está operando no interior da humanidade. Foi mérito principal da reflexão feminista que já possui mais de um século inaugurar esta transformação. As mulheres começaram a se ver com os próprios olhos e não mais com os olhos dos homens. Descobriram sua identidade, sua diferença e a relação de reciprocidade e não de subordinação frente aos homens. Produziram talvez a crítica mais consistente e radical da cultura, marcada pelo patriarcalismo e pelo androcentrismo.

O patriarcado designa uma forma de organização social centrada no poder exercido pelos homens dominantes, subordinando e hierarquizando todos os demais. O androcentrismo se caracteriza por estabelecer como padrão para todos; as formas de pensamento e de ação características dos homens. Eles são o sol e os demais, como as mulheres ou outras culturas, seus satélites e meros coadjuvantes.

O patriarcado e o androcentrismo subjazem às principais instituições das sociedades atuais com as tensões e os conflitos que provocam. A eles se deve o surgimento do Estado, das leis, da burocracia, da divisão de trabalho, do tipo de ciência e tecnologia imperantes, dos exércitos e da guerra. As feministas do Terceiro Mundo viram além da dominação cultural, também a dominação social das mulheres, feitas pobres e oprimidas pelos donos do poder. O ecofeminismo denunciou a devastação da Terra levada a efeito por um tipo de tecnociência masculina e masculizante, já antes percebida pelo filósofo da ciência Gaston Bachelard, pois a relação não é de diálogo e de respeito, mas de dominação e de exploração até a exaustão.

As mulheres nos ajudaram a ver que realidade humana não é feita apenas de razão, eficiência, competição, materialidade, concentração de poder e de exterioridade. Nela há afeto, gratuidade, cuidado, cooperação, interioridade, poder como serviço e espiritualidade. Tais valores são comuns a todos os humanos, mas as mulheres são as que mais claramente os vivem. O ser-mulher é uma forma de estar no mundo, de sentir diferentemente o amor, de relacionar corpo e mente, de captar totalidades, de pensar não só com a cabeça mas com todo o ser e de ver as partes como pertencentes a um Todo. Tudo isso permitiu que a experiência humana fosse mais completa e inclusiva e abrisse um rumo de superação da guerra dos sexos.


Hoje, devido à crise que assola a Terra e a biosfera, pondo em risco o futuro do destino humano, estes valores se mostram urgentes, pois neles está a chave principal da superação.

É neste contexto que vejo a presença de mulheres à frente dos governos, no caso, de Dilma Rousseff como presidente. A dimensão da anima levada para dentro das relações de mando, pode trazer humanização e mais sensibilidade para as questões ligadas à vida, especialmente dos mais vulneráveis.

Na nossa história tivemos uma mulher, considerada a Redentora: a princesa Isabel (1846-1921). Substituindo o pai Dom Pedro II em viagem à Europa, num gesto bem feminino, proclamou em 28 de setembro de 1871 a Lei do Ventre Livre. Os filhos e filhas de escravos já não seriam mais escravos. Financiava com seu dinheiro sua alforria, protegia fugitivos e montava esquemas de fuga para eles. Numa outra ausência do pai, a 13 de maio de 1888, fez aprovar pelo Parlamento a Lei Áurea da abolição da escravatura. A um de seus críticos que lhe gritou: "Vossa Alteza liberou uma raça mas perdeu o trono", retrucou: "Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos do Brasil". Queria indenizar os ex-escravos com recursos do Banco Mauá. Preconizava a reforma agrária e sufrágio político das mulheres. Foi a primeira abolição.

Cabe agora à presidente Dilma realizar a segunda abolição, propugnada já há anos pelo senador Cristovam Buarque, num famoso livro com esse mesmo título: a abolição da pobreza e da miséria. Ela colocou como primeira prioridade de seu governo "o fim da miséria". Esta é concretamente possível. Por enquanto é apenas uma promessa. Se realizar esta façanha, verdadeiramente messiânica, poderá ser a segunda Redentora.

Como cidadãos, urge apoiar e cobrar a promessa e impedir que se transforme numa má utopia. Podemos ser condenados pelos poderosos; mas, não podemos defraudar os pobres e os oprimidos.





Uso de preservativo pode ser justificado, diz Papa

Em um livro de entrevistas a ser lançado na terça-feira (23), o Papa Bento XVI afirma que o uso de preservativos é justificado "em certos casos", especialmente para reduzir o risco de contaminação pelo vírus da Aids. O Papa cita como exemplo uma prostituta que, ao usar o preservativo para se proteger, estaria dando "o primeiro passo para uma moralização".

O livro, que será publicado na Alemanha e tem como título "Luz do mundo: o Papa, a Igreja e os sinais do tempo", é baseado em 20 horas de entrevistas conduzidas pelo jornalista Peter Seewald.

Até o momento, o Vaticano proíbe o uso de qualquer forma de contracepção - aceita apenas a abstenção -, mesmo como forma de evitar doenças sexualmente transmissíveis.

Bento XVI provocou reações internacionais em março de 2009 durante uma visita à África, continente devastado pela Aids, ao afirmar à imprensa que a doença era uma tragédia que não podia ser combatida com a distribuição de preservativos, o que na opinião dele até agravava o problema.

Fonte: http://wscom.com.br/


Nota de padre Lombardi acerca de declaração do Papa sobre camisinha

Rádio Vaticano, em italiano
(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

No que diz respeito às interpretações dadas às palavras do Papa sobre a questão dos preservativos no livro entrevista de Peter Seewald, Luce del mondo. Il Papa, la Chiesa e i segni dei tempi (Luz do mundo. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos, em livre tradução), que será apresentado em coletiva na próxima terça-feira, 23, foi emitida uma nota pelo diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi.


Confira a nota na íntegra

"Ao final do capítulo 10 do livro Luz do mundo, o Papa responde a duas questões acerca da luta contra a Aids e o uso do preservativo, questões que se vinculam a certas discussões seguidas a algumas palavras pronunciadas pelo Papa sobre o tema ao longo de sua viagem na África, em 2009.


O Papa rebate claramente que ele, naquela oportunidade, não tenha desejado tomar posição sobre o tema dos preservativos em geral, mas que desejou afirmar com força que o problema da Aids não pode ser resolvido somente com a distribuição de preservativos, porque é necessário fazer muito mais: prevenir, educar, ajudar, aconselhar, estar próximo às pessoas, tanto a fim de que não fiquem doentes quanto no caso das que já estão doentes.

O Papa observa que também no âmbito não eclesial desenvolveu-se uma consciência análoga, como aparece na assim chamada teoria Abc (Abstinence – Be Faithful – Condom
Abstinência - Ser fiel - Camisinha, em livre tradução), na qual os primeiros dois elementos (abstinência e fidelidade) são muito mais determinantes para a luta da Aids, enquanto o preservativo aparece em último lugar como escapatória, quando faltam os outros dois. Deve estar claro, então, que o preservativo não é a solução do problema.

O Papa amplia, em seguida, a visão e insiste sobre o fato de que se concentrar somente sobre o preservativo equivale a banalizar a sexualidade, que perde o seu significado como expressão de amor entre pessoas e torna-se como uma 'droga'. Lutar contra a banalização da sexualidade é 'parte do grande esforço para que a sexualidade seja valorizada positivamente e possa exercitar o seu efeito positivo sobre o ser humano na sua totalidade'.

À luz dessa visão ampla e profunda da sexualidade humana e da sua problemática atual, o Papa reafirma que 'naturalmente a Igreja não considera os preservativos como a solução autêntica e moral' do problema da Aids.

Com isso, o Papa não reforma ou transforma o ensinamento da Igreja, mas o reafirma colocando-se na perspectiva do valor e da dignidade da sexualidade humana como expressão de amor e responsabilidade.

Ao mesmo tempo, o Papa considera uma situação excepcional em que o exercício da sexualidade represente um verdadeiro risco para a vida do outro. Em tal caso, o Papa não justifica moralmente o exercício desordenado da sexualidade, mas considera que o uso do preservativo para diminuir o perigo de contágio seja 'um primeiro ato de responsabilidade', 'um primeiro passo no caminho rumo a uma sexualidade mais humana', muito mais que o não uso expondo o outro ao risco de vida.

Em si, o raciocínio do Papa não pode ser certamente definido como uma mudança revolucionária.

Numerosos teólogos morais e relevantes personalidades eclesiásticas sustentaram e sustentam posições análogas; é verdade, todavia, que não a tínhamos ainda escutado com tanta clareza da boca de um Papa, ainda que de uma forma coloquial e não magisterial.

Bento XVI dá-nos, portanto, com coragem, uma contribuição importante para esclarecer e aprofundar uma questão longamente debatida. É uma contribuição original porque, de um lado, mantém a fidelidade aos princípios morais e demonstra lucidez ao refutar uma via ilusória como a 'confiança no preservativo'; de outro, manifesta, no entanto, uma visão compreensiva e previdente, atenta a descobrir os pequenos passos - ainda que somente iniciais e ainda confusos - de uma humanidade espiritual e culturalmente muitas vezes paupérrima rumo a um exercício mais humano e responsável da sexualidade".

Fonte: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=278946