terça-feira, 26 de janeiro de 2010

JORNAL GRITO MULHER - EDIÇÃO 110


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Testemunho



Testemunho


Raquel Lima


Quantas vezes ouvi que a Lei Maria da Penha veio para salvar as mulheres do abuso de homens que pensam ser donos das mulheres. Ver o caso de Maria Islaine me fez lembrar que era tudo mentira. Quando lia o jornal, uma mistura de raiva e desamparo tomou conta de mim. Revivi minha história. O dia todo fiquei lembrando da cara de descaso do escrivão da polícia que me ouviu há um ano. Fui até uma delegacia, com minha mãe, em busca de ajuda. Estava desesperada após, finalmente, ter conseguido me desvencilhar emocionalmente do meu ex-marido, que abusou de mim, psicologicamente e fisicamente. Levou todos os objetos da casa enquanto não eu estava e, para completar, disse que iria “finalmente acabar comigo”. O escrivão me perguntou se era “só aquilo” que tinha acontecido. Me disse que eu precisava lembrar o dia exato da agressão física para poder ter resultado. Por meses sofri os telefonemas e aparições do meu ex na porta de meu prédio. Até hoje espero que a polícia tome alguma providência. Retomei minha vida com a esperança que a possessividade e a raiva dele tenham se acalmado.


Dentista, 30 anos

Vítima de agressão do ex-marido
Fonte: Jornal o Tempo

INDIGNAÇÃO - QUANTAS MULHERES AINDA MORRERÃO EM BUSCA DE JUSTIÇA?




Morte às mulheres?


A morte parece menos terrível quando se está cansado (Simone de Beauvoir)


É no mínimo um absurdo o que ocorreu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, com a cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos de idade, assassina com 09 tiros em pleno ambiente de trabalho. Se uma simples briga de marmanjões já é de causar ojeriza em pleno século XXI, imaginem o que não nos espera após um acontecimento destes, que, na certa é somente um dentre tantos que a mídia resolveu dar notoriedade devido aos requintes de sensacionalismo e espetáculo.


O acontecimento tomou o noticiário local e nacional e de quebra ainda foi filmado e jogado nos meios mais obscuros e menos obscuros de busca na internet. Na tela, é possível ver o borracheiro Fábio Willian da Silva Soares, 34 anos, (já detido no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp)), ex-marido de Maria Islaine, retirando uma arma, apontando e depois a descansando sobre o corpo da jovem mulher. O assassinato aconteceu no bairro Santa Mônica considerado calmo e tranquilo. Todavia, o problema não está neste cenário.


Em primeiro, é óbvio que o crime foi passional e tudo indica que foi motivado por ciúmes. Os advogados criminalistas vão se fartar desse episódio, haja vista que o “amor” que mata não tem voz, olhos, tampouco corpo e é um ótimo produtor de provas, bastando ver os requintes de crueldade e meditação do opressor. Dependendo do escritório, do poder de mando e de quem estiver atrás desse coitado, não deve ir muito longe o seu martírio.


Em segundo, e este talvez seja o mais importante, é que o relacionamento que não deu de certo do casal há muito já tinha chegado às barbas da polícia e, por ressonância, do judiciário. O caso de Maria Islaine é emblemático do caos que se transformou a violência doméstica. Não é preciso ser criminalista ou coisa parecida para perceber que neste campo estamos engatinhando há muito tempo. A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340), provavelmente uma das únicas pedras de segurança das mulheres tem se mostrado falha e não passando de letras “para inglês ver”. De acordo com o noticiário e as entrevistas que pipocam aos montes, a cabeleireira já havia inúmeras vezes denunciado o ex-marido por violência e ameaça de morte. A despeito da segurança que a Lei Maria da Penha (a qual, por pouco não teve o mesmo destino) diz garantir Maria Islaine está morta e, no caso, é importante rever o que aconteceu para se chegar a esse desastre.


Já se tornou senso-comum afirmar que todo crime tem um histórico, logo, um início, meio e fim. Para economizar linhas, já era de conhecimento dos parentes e da vizinhança que Maria Islaine havia procurado a delegacia para processar o ex-marido espancador. O problema reside justamente aí. Delegados e juízes, polícia e promotores parecem que agora não falam a mesma língua. De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não foi expedido nenhum mandado de prisão contra o borracheiro porque o tribunal não teria recebido o famigerado inquérito policial (o delegado tem 10 dias para enviá-lo ao tribunal) com as denúncias da cabeleireira Maria Islaine. Por outro lado, o advogado da vítima tem mostrado a todos os documentos enviados e protocolados a 13ª Vara Criminal, na qual pediu por nada menos que três vezes a prisão do recalcitrante. A última delas teria sido no mês de setembro do ano passado.


A questão vai ficando mais séria, porque no dia 09 de maio de 2009 Maria Islaine foi ao Ministério Público (MP) para solicitar a prisão preventiva do agressor. As informações daqui para frente devem ser motivo de investigações, porque agora segue o que é comum no Brasil, um “empurra-empurra” para todo lado no intuito de ninguém assumir a culpa e ficar por isso mesmo, ou seja, o inquérito chegou ou não chegou ao Tribunal. Ora, a Lei Maria da Penha afirma em alto e bom som para quem sabe ler na Sessão II (Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor) que:


Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:


I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n° 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.


Parágrafo 1° - As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.


Parágrafo 2o - Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.


Parágrafo 3o - Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
Parágrafo 4o Aplica-se às hipótese previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos parágrafos 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).


Não é preciso nem ser adulto para entender o que diz com clareza a Lei Maria da Penha. Dito de outra forma, se a lei fosse efetivamente seguida o pior não teria acontecido. No caso de Islaine o episódio se reveste de complexidade, pois, pelo que consta ela tomou os devidos cuidados. O problema – e poucos vão querer ver – está no processo judicial e, por conseqüência, nos homens e mulheres que são pagos pelo erário público para cuidar dele. Onde parou o tal inquérito? O assassinato poderia ser evitado?


Os discursos psicológicos ou psiquiátricos podem até defender que não. O que seria uma boa defesa para o assassino o qual teria tomado a decisão em plena irracionalidade ou loucura. Todavia, o fato é que o acontecimento, agora midiático, revela uma complicada, fedida e séria ferida no sistema judiciário. Na verdade, ele não funciona, não está aparelhado para combater e tampouco controlar a violência doméstica, bastando ver a realidade das delegacias que estão longe do cenário que apregoa a Lei n° 11.340. Na realidade a lei no Brasil historicamente é para poucos e a legalidade está longe de se tornar direito, especialmente, para a camada mais pobre da sociedade. Talvez mais que isso, a polícia e o judiciário - com raras exceções - ainda não concedeu o valor necessário para os casos que envolvem passionalidade, e, por fim, sendo muito cruel com as palavras, a sociedade machista autoritária, hierárquica e excludente como é a nossa está pouco se lixando para o que acontece com as mulheres. A favor do meu argumento peço que observem os dados veiculados pelo Jornal O Tempo (22/01/2009). Nele ficamos sabendo que no último semestre o número de processos referentes à violência contra a mulher mais que dobrou na capital mineira: de 11 mil processos (dados de junho de 2009) passamos para 24 mil em dezembro no mesmo ano. Se este fato não revela uma crise não sei o que está mostrando, embora seja incontestável que não existe o mínimo de articulação entre os órgãos envolvidos: polícias Civil e Militar, Defensoria Pública, Ministério Público e o Poder Judiciário. O problema é que não pode restar à população computar a próxima vítima ou a próxima morte, porque de acordo com os dados são 20 os casos de agressões - na média diária - registrados em BH.


Que as luzes não se apaguem em tais acontecimentos, pois é provável que após o primeiro silêncio noturno venha uma enxurrada de gritos de terror do que há tempos Schopenhauer e Simone de Beauvoir chamaram de “segundo sexo”.


Texto de Lúcio Alves de Barros


Publicado no Recanto das Letras em 22/01/2010Código do texto: T2044740


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